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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Dalí: Eu e a Criatura

Dalí:

Queria compartilhar-te  um sonho ou um acontecido de outro dia.
Ia eu para um bairro aqui do Rio... de boemia.
Fui sozinho encontrar uns amigos... de alegria.
Bebemos a noite inteira, converça até o principiar do dia.
Eu, sozinho ainda, retorno ao ponto, para a rua vazia...
No ponto além de mim, outro bebado, mendigo, morador de rua.
Parecia que dormia, sonhava, jazia...
Sentado no chão, encostado na parede, morto: era o que parecia.
Eu de tão tonto, nem medo ou despreso sentia.
Sentei perto da criatura e eu também criatura seria.
Sem medo, sem peito, só agonia...
Duas e meia e a condução não aparecia.
Eu todo cheio de mim: trabalho, estudo, fantasia...

Me sentia dono de tudo, mas nada de importante eu tinha.
De repentino a voz rouca, sábia e mundana me dizia:
- Tu és covarde, egoísta, reparta com o mundo parte de sua poesia.
De olhos arregalados não acreditei no que ouvia.
Ele continuava e dizia: 

"Para ser livre por inteiro
É preciso destruir-se por completo."
Continuava sem entender tal conselho tão direto.
- Fui assim igual a você....
Me destruia um pouquinho a cada dia.
Sem dar a cara a tapa, esperando a minha vez da fila 
E vivendo da ilusão do dia-a-dia...
Só para não aceitar o caos que me dominava.
Então fui me destruindo aos poucos...
Vivendo amores impossíveis, criando metáforas para me tranquilizar,
Sempre acreditando que amanhã será melhor.
Mas o amanhã é uma instância no tempo que não existe.
O agora existe, este momento insólido que talvez te seja a unica coisa real.
Repito meu caro amigo, olhos de poeta vêem uma dor inventada
Que deveras existe.
É preciso destruir-se de uma vez,
Caso contrario, você torna-se-á eu no amanhã que não existe.
Se destrua de uma vez e reinvente-se a cada fim de você mesmo.
Passou tanto tempo construindo reinos, mundos e galáxias que descuidou do seu pequeno jardim.
Neste momento o ônibus passou por mim.
E a criatura se fez parede como se nunca tivesse existido.


"Para ser livre por inteiro
É preciso destruir-se por completo."









quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

B612: Dez mil girassóis...





Plantaram um girassol no gramado em frente ao prédio onde trabalho. Gosto muito de girassóis. Uma planta que consegue acompanhar o brilho do sol com o mesmo fascínio que  uma borboleta ou beija-flor se encanta pelas rosas, margaridas e jasmins...Sempre o admiro por isso.

No primeiro dia de plantado ele esta vá lá de rosto virado para o sol da manhã. No fim do expediente continuava olhando para o sol... e foi assim mesmo nos dois dias seguintes. Porém no terceiro dia, logo pela manhã, ao chegar ao trabalho, percebi que ele já não olhava para o céu em direção ao sol. Olhava meio cabisbaixo em direção à avenida em frente ao prédio. No fim  tarde deste mesmo dia,  ainda mais cabisbaixo olhava  em direção a porta de saída. Parecia-me que procurava alguém.

No quarto dia já olhava diretamente para o chão todo curvado. Aquele esplendoroso ser me deixava triste quando via o  todo cabisbaixo olhando para a grama crescer.  

Na semana seguinte, segunda-feira, já olhava inteiramente para a grama. Não levantava o rosto. Já não se importava com o sol. Foi quando senti a sua imensa solidão. Plantaram-no sozinho no gramado. Sem nenhuma flor para lhe fazer compania, pouco lhe importava a beleza do sol. Não tinha nada e nem ninguém para compartilhar o que sentia naqueles dias de verão.

Se pelo menos Ele olhasse para o céu viria algo diferente. Eu sei que Ela olha para Ele agora ou daqui a pouco. Ela ouve o barulho da avenida, e vai em direção à janela. A minha grande esperança é que Ele pare de olhar para o verde da grama e comece a olhar para Ela...para o alto do prédio...para o segundo Sol. 

A Flor trancada na sala fria, e que por detrás da janela de vidros espelhados Ela olha para Ele. E se Ele levantasse a cabeça e olhasse para o vidro da janela, perceberia o reflexo do sol. Um segundo sol. A luz de seus olhos que ilumina o meu coração e dez mil outros girassóis.