Solange caminha pela ciclovia nesta manhã chuvosa. Caminha com senão quisesse voltar. Ela pensa no filhinho de um ano que deixou em casa logo depois de amamentar. Lembra da filhinha de dois e do mais velho de sei que precisa ir para a escola. Solange tem um ritual. Ela se faz bonita todos os dias antes de caminhar para se fazer bonita depois de caminhar. Modela os cabelos com creme em forma de cachos. Maquia-se com batom, lápis de olho e coloca no pescoço algumas gotas de seu melhor perfume e sai as cinco da manhã. Não importa como esteja o tempo. Frio, calor, nublado... ela apenas sai de casa. Neste dia ela queria perde algo mais do que os quilinhos ganhos depois da gravidez de seu ultimo filho. Pois isso não se importa em sair com o tempo feio. Não estava chovendo, mais parecia que o céu iria desabar. O que a faz sair neste dia era a angustia que tinha no coração. Queria que essa angústia saísse de seu corpo como o suor. Na noite anterior o marido de Solange havia chegado bêbado em casa, tarde da noite. Como era de se esperar, como em outras noites, a discussão começou. Cobranças, acusações e pressões... o marido sabia ser cruel quanto falava com Solange. Disse que ela estava feia e mal cuidada e que não merecia ter ele como marido. Palavras que machucaram tanto a Solange que se calou. Nem lagrima conseguiu sair de seu rosto. Ela não pregou os olhos à noite toda e saiu de manhã neste dia chuvoso.
Os primeiros passos foram tortuosos, vacilantes... mas ela continuou caminhando. Sem rumo seguiu em frente. Solange não era mais Solange... caminhava enquanto a chuva fina começa a cair. Ela não pára, segue em frente. O corpo e o espírito precisam ser libertos. Ela aumenta o passo gradativamente. E a chuva acompanha o passo de Solange e começa a cair mais forte. Os cachos de Solange se perdem com a força da chuva. E a maquiagem vai se desfazendo e manchando todo o seu rosto. Agora se misturam em sua boca a chuva, o suor e as lágrimas... ela corre com mais intensidade. A deusa protetora dos sonhos perdidos se enfurece junto com Solange e a tempestade aumenta. Trovões ecoam ao longe... Solange continua a correr. Sem pensar em como vai voltar... e corre; e corre; e corre....até parar exausta e cair de joelhos ao chão. Uma voz que vem da alma e se propaga no espaço como trovão: FODA-SE!!!
Como em uma orquestra harmonicamente ensaiada a cada “foda-se” que ela gritava, vinha acompanhada por um trovão. Ela gritou. As lágrimas cessaram e o tempo também. Ela disse Foda-se para todos os que não a achavam capaz. E gritou contra o próprio medo de ser feliz.
Pela primeira vez sentiu a liberdade que o tempo lhe roubara. Essa Saborosa Liberdade de ser feliz.
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