Dalí:
Queria compartilhar-te um sonho ou um acontecido de outro dia.
Ia eu para um bairro aqui do Rio... de boemia.
Fui sozinho encontrar uns amigos... de alegria.
Bebemos a noite inteira, converça até o principiar do dia.
Eu, sozinho ainda, retorno ao ponto, para a rua vazia...
No ponto além de mim, outro bebado, mendigo, morador de rua.
Parecia que dormia, sonhava, jazia...
Sentado no chão, encostado na parede, morto: era o que parecia.
Eu de tão tonto, nem medo ou despreso sentia.
Sentei perto da criatura e eu também criatura seria.
Sem medo, sem peito, só agonia...
Duas e meia e a condução não aparecia.
Eu todo cheio de mim: trabalho, estudo, fantasia...
Me sentia dono de tudo, mas nada de importante eu tinha.
De repentino a voz rouca, sábia e mundana me dizia:
- Tu és covarde, egoísta, reparta com o mundo parte de sua poesia.
De olhos arregalados não acreditei no que ouvia.
Ele continuava e dizia:
"Para ser livre por inteiro
É preciso destruir-se por completo."
Continuava sem entender tal conselho tão direto.
- Fui assim igual a você....
Me destruia um pouquinho a cada dia.
Sem dar a cara a tapa, esperando a minha vez da fila
E vivendo da ilusão do dia-a-dia...
Só para não aceitar o caos que me dominava.
Então fui me destruindo aos poucos...
Vivendo amores impossíveis, criando metáforas para me tranquilizar,
Sempre acreditando que amanhã será melhor.
Mas o amanhã é uma instância no tempo que não existe.
O agora existe, este momento insólido que talvez te seja a unica coisa real.
Repito meu caro amigo, olhos de poeta vêem uma dor inventada
Que deveras existe.
É preciso destruir-se de uma vez,
Caso contrario, você torna-se-á eu no amanhã que não existe.
Se destrua de uma vez e reinvente-se a cada fim de você mesmo.
Passou tanto tempo construindo reinos, mundos e galáxias que descuidou do seu pequeno jardim.
Neste momento o ônibus passou por mim.
E a criatura se fez parede como se nunca tivesse existido.
"Para ser livre por inteiro
É preciso destruir-se por completo."